Matéria de Fabiana Alves
Cada indivíduo vê a fotografia com singularidade. Com o olhar fotográfico, é possível eternizar momentos do mesmo modo que é capaz de modificar novos olhares e interferir na maneira em que as pessoas olham o mundo. A fotografia tem o poder de eternizar momentos e nos fazer reviver memórias, resgatar e preservar histórias, permitir reflexões ou até mesmo descobrir algo novo. A cada novo olhar, ela também nos permite enxergar as diversas visualidades não vistas anteriormente e desbravar tudo o que a compõem em suas mais diversas camadas. Em meio a correria do dia a dia, muitas vezes não conseguimos perceber as “pequenas” coisas ao nosso redor. Deixamos passar despercebidas as nuances da vida, os sorrisos, as paisagens, o Outro e até mesmo as mudanças sutis que ocorrem ao nosso redor.
É nesse ponto que a fotografia entra em cena, um simples clique é capaz de trazer à tona sentimentos e emoções que podem passar despercebidos ou que estão adormecidos. Ao registrar uma imagem, fica o convite a perceber e enxergar além do óbvio, o que estaria invisível mesmo diante dos nossos olhos, a se sensibilizar e apreciar a beleza das formas, cores e texturas que nos cercam. Quantas vezes você já passou em algum lugar e não percebeu o que estava acontecendo? E depois de ver uma foto ou alguma notícia em um jornal, você começou a olhar o assunto de outra forma? Aliado ao conteúdo teórico, vem as descobertas. E dessa relação complementar existe o anseio por sair da zona de conforto, somada a liberdade pessoal e ousar sob novos olhares. A soma por experiências convidam a confrontar o medo, a romper os ditos padrões, os limites, a buscar novos olhares sobre a vida do outro - que não é só do outro e nem tão distante assim de nós, pois vivemos em sociedade - e por que não, sobre a vida pessoal, das relações com a memória, a história, os lugares percorridos. Isto se dá para a construção do Ser, a consciência perante ao social.
Quantas vezes passamos diariamente por situações que preferimos não ver? Devido ao movimento do moderno em que exalta-se o presente dinâmico, o transitório excessivo, ignoramos o que está à nossa volta, uma demonstração singela, os excessos cometidos, os problemas sociais e as dificuldades enfrentadas por aqueles que são considerados “invisíveis” pela sociedade. Teria uma razão para trazer à tona essas realidades ocultas? O objetivo é capturar o sentido da vida, resgatá-los. Dar não só a voz mas o direito de ser visto. E Lembrado. A cidade de Vitória da Conquista abraça uma composição peculiar em seu nome composto. Visto que a palavra, se dá pela língua e por conseguinte, as significações arquitetam a cidade. Por outro lado, e não peculiar, a mesma abraça, uma convenção coletiva necessária ao refúgio humano. Sobreviver entre algum espaço desprovido de condições básicas para se manter perante as necessidades humanas. Nesta cidade, a realidade e a passagem do tempo são diferentes para aqueles que vivem nas ruas e os que não se atentam aos olhares para os corpos presentes nela. Todo dia é de feira. Elas se apresentam como um fenômeno urbano que modifica a dinâmica das cidades, por se tratar de um espaço onde se desenvolvem atividades econômicas, culturais e sociais. Já reparou que além da atividade econômica, há inúmeras possibilidades de encontros? Não só entre as pessoas que a frequentam, mas um nada agradável, resultado dessa mesma interação humana, o frenético desperdício de alimentos. Cada fruta ou legume considerado “perdido”, representa a ausência de uma refeição para alguém. A não atenção do valor desses alimentos, assim como o seu manuseio e a sua distribuição, é desconfortável e gritante.
Dessa mesma cadeia de interações, alia-se também a indiferença. Esta é captada desde os traços analógicos e de qualquer noção de tempo-espaço social. Parafraseando o Pequeno Príncipe, se “o essencial é invisível aos olhos”, é quem sabe de um olhar inocente de uma criança que possa ser transformador frente a um ideal e possível resgate social. Vale repensar, pois, em um modo de piloto automático, quantas vezes você já foi indiferente com alguém que é igual a você? Você já pensou em deixar o olhar para quem muito estende a mão e é negado? É negado o olhar empático, a direção da fala, alguma atenção. O corpo fala. As mãos tentam se comunicar. Em uma espécie de socorro, essas mesmas mãos nos contam histórias. Todos os “invisíveis” são diferentes, mas compartilham características semelhantes. Em algum momento, você já olhou com atenção para as suas próprias mãos? Elas contam a sua história, das lembranças às memórias afetivas. Aliás, nenhuma parte do nosso corpo conta mais histórias sobre a vida do que as mãos.
Olhar de frente esses personagens é encarar a realidade do outro, conhecer seu perfil, poder ouvir suas histórias, seus sonhos e aflições, deixar que os ouvidos permitam uma perspetiva diferente da nossa, e isso é fantástico. Imaginável, provocativo e enriquecedor. Alguns aparentam ser bem mais velhos, talvez seja a característica mais marcante, a aparência. Se faz um retrato, o contraste mescla entre novo e velho. A simpatia e a vontade de viver ganham destaque para ser visto. Tem tão pouco e pode entregar muito! Quantas histórias podem ser contadas e (re)conhecidas? Não são apenas rostos esquecidos nas ruas, mas seres humanos em busca de uma dignidade e oportunidades. E por falar em oportunidades, já se deparou com alguma história contada sobre o amor além da visão? Os diferentes também amam. Mas afinal, quem não é? O amor, ele pode ser presenciado para além do alcance dos nossos olhos. A disposição dos seres e a conexão entre os sentidos afloram, em decorrência de uma simples atenção permitida, evidenciando que o amor pode transcender as limitações físicas e ensinar sobre o poder da empatia e do companheirismo. Cego mesmo é quem vive de preconceitos.
Os animais abandonados nas ruas de Vitória da Conquista também são vítimas dessa invisibilidade. Já percebeu o crescente número deste descarte? Importante lembrar que, os animais abandonados não passam a ser somente das ruas, são uma comprovação de atestado de incapacidade desse mesmo indivíduo que perpetua a falta do senso comum, do político e da saúde pública. Lançar um animalzinho às ruas é atestar-se de insensibilidade e ignorância. Muitos são deixados à morte, uma sentença. Já que a sorte não lhes cabe. São tão vítimas quanto a inocência de suas essências naturais. Por mais que pareça irônico, é legítimo ressaltar, quem não sabe cuidar de si, vai saber cuidar de outra vida? Ao observar e capturar a um clique a distância, evidencia-se o isolamento dos componentes com o ambiente e de todos os movimentos contínuos das ruas que passam por eles. A solidão é notada diante os corpos borrados que passam pela lente, diante dos nossos olhos, todos os dias. Mesmo se pudesse parar o tempo, em frações de segundos, não amenizaria tamanha condição e nem os possibilitaria quebrar, de imediato, esse escudo de defesa que por muitas vezes, inflama ainda mais essa ferida social aberta. A falta de interação e invisibilidade não dorme.
Portanto, todos os “invisíveis” são diferentes, mas compartilham características semelhantes e sofrem da mesma dor.. Capturar e evidenciar a maneira transposta dessa exclusão é, no mínimo, um resgate de alguém na sociedade. Poderia ser eu ou você. E na verdade, não deixa ser um pedaço de nós, sendo eles um semelhante. Vivemos em sociedade mas esquecemos o plural social. Até quando? Se você chegou até aqui. Tem o meu verdadeiro agradecimento pela atenção ao tema. Possa ter reparado, que não os identifiquei por seus respectivos nomes. Foi proposital, o intuito é provocar e inquietar sobre quem são e a fazer refletir sobre os tantos outros “invisíveis” que cruzamos todos os dias.