Matéria de Alice Café, Bárbara Muniz e Victor Sá
Num cenário onde trabalho formal e informal se mesclam em uma só imagem, o centro comercial de Vitória da Conquista se firma como espaço ideal para sustento dessas duas vertentes das práticas trabalhistas. No entanto, para aqueles que trabalham nas ruas, problemas como a infraestrutura inadequada do local, alta exposição a situações de violência como roubos e assaltos, e as alterações climáticas repentinas tornam-se desafios diários a serem vencidos.
Aliado à precarização da infraestrutura, parte dos vendedores ambulantes dessa região relatam sua constante luta contra a Prefeitura Municipal e outros órgãos governamentais responsáveis pela fiscalização do centro da cidade.
Zildene Ferreira tem 44 anos e trabalha há três como ambulante, começou vendendo geladinho e hoje oferece mais opções de acordo com a demanda. Ela é a única responsável pela filha de 12 anos e com o trabalho formal como garçonete, não conseguia ter tempo para ficar com a menina. A mãe de Zildene quem cuidava da neta na maior parte do dia.
Por estar cansada de comportamentos abusivos dos patrões e para ter mais tempo com a filha, Zildene decidiu sair do trabalho formal. Há três anos ela passou a vender geladinho por ser de fácil transporte nas ruas do Centro, e em suas caminhadas fez amizade com outros vendedores ambulantes da região.
Zildene decidiu vender mais produtos na parte interna da praça Tancredo Neves após um conhecido ceder o ponto. Ela disse que apesar do aumento de vendas, não pretende ficar no local por muito tempo por acreditar que a prefeitura a qualquer momento poderá remover os trabalhadores.
O lado positivo de ser autônoma, para Zildene, é poder almoçar em casa e buscar a filha na escola enquanto um amigo olha as suas coisas. Chega todos os dias na praça às 10 e volta para casa no final da tarde. Mesmo gostando do atual trabalho, ela junta dinheiro para um dia investir no próprio negócio de marmitas.
Apesar do grande fluxo comercial que existe no centro e suas redondezas, uma pesquisa realizada em 2019 pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) com os ambulantes de Vitória da Conquista revelou que mais da metade capta uma renda mensal equivalente ou inferior a um salário mínimo. Esse valor muitas vezes não é suficiente para suprir as carências do trabalhador informal, de forma que o obriga a buscar outros tipos de atividades laborais (por vezes igualmente precarizadas) para complementar a renda familiar.
A jornada de trabalho também é um fator inconstante na vida do trabalhador informal. É comum encontrar relatos de trabalhadores que cumprem uma média de 10 a 12 horas diárias de carga horária. Fatores como esse aliados à precarização da infraestrutura à qual esses trabalhadores são submetidos implicam em consequências sérias advindas do desgaste físico e psicológico, implicando numa queda na qualidade de vida dos mesmos.
Como uma tentativa de melhorar essa realidade, em 2022, o Governo da Bahia por meio da Secretaria de Trabalho, Emprego, Renda e Esportes (Setre), lançou o aplicativo Contrate.BA. Ele funciona como um meio de contratação dos serviços dos trabalhadores autônomos das cidades de Salvador, Lauro de Freitas, Juazeiro e Vitória da Conquista.
Através do aplicativo é possível obter 56 tipos de serviços diferentes, além de também oferecer treinamentos para os trabalhadores cadastrados. No entanto, apesar de ser uma ótima iniciativa e ter um grande potencial para ajudar uma parcela de profissionais com a praticidade oferecida, o aplicativo é pouco divulgado e não abrange toda a classe dos trabalhadores autônomos.
Os profissionais autônomos e informais são aqueles que não possuem vínculo empregatício, que geram renda a partir do desenvolvimento de uma atividade independente. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), até agosto de 2023, cerca de 39 milhões de brasileiros estavam atuando de forma informal. Eles podem ser ambulantes, pedreiros, entregadores, entre outras diversas funções.
Mesmo com todas essas dificuldades citadas, grande parte dos entrevistados não possuem perspectivas para melhoria de suas condições laborais. Como é o exemplo de Ailton Souza, vendedor de água de coco na praça 9 de Novembro a dez anos. “Trabalho aqui desde 2013, tem seus altos e baixos mas a gente tira o que precisa pra sobreviver, né?”, disse Ailton.
A estagnação de alguns indivíduos no âmbito informal do trabalho é consequência de fatores como a idade avançada, baixo nível de escolaridade, que em geral criam barreiras para acesso ao campo formal de trabalho.
Maria José é vendedora de pipoca e petiscos há pelo menos 13 anos. Trabalhou desde o início no mesmo ponto do centro de Conquista, arranjado pela mãe que também a presenteou com o carrinho de pipocas. Foi um incentivo após Maria decidir que não seria mais professora dos anos iniciais. A filha de Maria, que tem 18 anos, também está começando a vender água de coco no ponto ao lado.
Hoje com 60 anos, a conquistense Maria brinca que seu trabalho é mais simples por não exigir tanta paciência. O lado ruim, para ela, é a falta de amparo. No período de natal de 2022, Maria adoeceu após trabalhar muitas horas seguidas com bastante movimento. Para 2023, ela planeja reduzir sua carga horária para não sentir exaustão com o calor.
Enquanto está trabalhando, Maria não tem nem nenhuma proteção contra o sol ou chuva. Ela tenta encontrar estratégias para suportar o período de calor intenso e aproveitar o aumento das vendas de final de ano. "É com o aumento de vendas do natal que eu consigo fazer o meu décimo terceiro", brincou.
Carmilton Santos é um vendedor ambulante de 37 anos, nasceu em Caetanos e mora em Vitória da Conquista desde a infância. Há 11 anos deixou de trabalhar de carteira assinada como pedreiro para ser autônomo. Com o carro, Carmilton vende as frutas da estação em diferentes lugares da cidade e faz entregas de maiores quantidades para pequenos pontos comerciais.
Em um outro ponto movimentado da Av. Presidente Vargas, Junior Oliveira vende pizzas artesanais feitas na hora. Ele já era vendedor ambulante em Arraial d'Ajuda, sua terra natal. Junior conheceu Vitória da Conquista durante o Festival de Inverno de 2023 e não saiu mais da cidade. Deixou seu ponto anterior com um familiar e abriu o novo negócio para poder morar em Conquista.
Existem prós e contras na rotina do trabalho autônomo. Apesar da oportunidade de fazer o próprio horário, ser seu próprio patrão e poder escolher a melhor forma de atuar no seu ramo, é possível observar a forma que a falta de direitos, como a carteira assinada, o 13° salário, a garantia do seguro desemprego e outras seguranças trabalhistas previstas pela lei, afetam de forma negativa a qualidade de vida do trabalhador.
Considerando que o crescimento exponencial da classe de trabalhadores independentes é um reflexo da crise econômica e da falta de oportunidades de empregos formais no mercado de trabalho brasileiro, a realidade dessas pessoas também se aproxima do trabalho precário, resultando no alargamento das desigualdades sociais.